Deus pode habitar no Ciberespaço?



Crédito da Foto: EJC PSAL - JP/PB

 Essa é uma pergunta que nos últimos tempos eu sempre me fiz, tendo em vista que Deus é onisciente, onipresente e onipotente e que sua revelação aos homens acontece em um tempo determinado, em um espaço específico e em uma realidade concreta. Desta forma, podemos dizer e entender que a tecnologia é formada para suprir novas ações e, por isso, transforma uma série de costumes e valores da sociedade agregando-se à cultura. No entanto, é a própria internet que marcou a civilização contemporânea de tal maneira que é possível chamar o momento atual não apenas de uma época de mudanças, mas ainda de uma mudança de época. Tamanha transformação é comparada aos grandes acontecimentos da história humana que fizeram eclodir um mundo novo cheio de possibilidades.
Dentre elas, encontramos a revolução das relações sociais que perpassaram a web 1.0 marcada pelo surgimento de sites comerciais sem nenhum processo de interação com os usuários; a web 2.0 constituída pela criação das redes sociais que fizeram dos usuários membros de uma sociedade midiatizada e em rede seguido da web 3.0 que consiste em algo além da interatividade onde sua principal característica é a capacidade de máquinas assumirem determinadas atividades que até então eram realizadas manualmente.
Inicialmente, entendeu-se a internet como um novo meio de comunicação e ainda hoje essa concepção está presente na maior parte das mentalidades. No entanto, é perceptível que este conceito é insuficiente para descrever toda a natureza da rede. É necessário definir melhor o que é a rede, a internet, o ciberespaço.  A rede não se configura apenas como um instrumento de comunicação. Na verdade, é uma nova ambiência de comunicação e de relacionamento humano que está dentro do mundo real. Por ser um ambiente desterritorializado, o ciberespaço está em todos os lugares e perpassa nossa vida cotidiana. Dessa forma, não existe dualidade entre mundo físico e digital, ambos fazem parte de uma mesma realidade.
Para Lemos (2004), o ciberespaço é um espaço sem dimensões, um universo de informações navegável de forma instantânea e reversível, caracterizado pela ubiquidade, pelo tempo real e pelo espaço não-físico. É um espaço transacional que não é desconectado da realidade, mas um complexificador do real, isto é, uma entidade real, parte vital da cibercultura, que, como uma lupa, aumenta nossa percepção sobre a realidade.
Ao falarmos desta transição que a sociedade viveu nos últimos temos, usamos da concepção de Castells, no que diz respeito a ‘sociedade em rede’ como uma estrutura social que se baseia em redes operacionalizadas por tecnologias de comunicação e informação, formando redes digitais que geram, processam e distribuem a informação que se encontram nos nós dessas redes. “As redes são estruturas abertas que evoluem acrescentando ou removendo nós de acordo com as mudanças necessárias dos programas que conseguem atingir os objetivos de performance para a rede” (Castells, 2009 p.20)
Desta forma, podemos dizer que o ciberespaço é uma nova forma de experimentar o saber, uma nova maneira de se relacionar e uma nova maneira de se comunicar. Então, também podemos dizer que ele é uma maneira criativa e nova de anunciar-comunicar a Boa Nova, tendo em vista que a força da internet está na sua descentralização e por ter milhões de interconexões, dirimindo um ponto crítico único. Se um caminho fica indisponível, seus dados seguem por outro segmento. Na cooperação mútua, todos os internautas fazem a rede acontecer. Sendo assim, a internet é um acontecimento humano. O papa Francisco partilha dessa mesma linha de pensamento ao afirmar que a internet pode ser um lugar rico em humanidade, pois a rede não é constituída por fios, cabos, aparelhos, mas por pessoas humanas.
Ao mesmo tempo, Bento XVI (2013), afirma que o desenvolvimento das redes requer dedicação, pois, as pessoas envolvem-se nelas para construir relações buscar respostas para as suas questões, divertir-se, mas também para serem estimuladas intelectualmente a partilhar competências e conhecimentos. Assim as redes sociais tornam-se cada vez mais parte do próprio tecido da sociedade enquanto unem as pessoas na base destas necessidades fundamentais e passam a ser alimentadas por aspirações radicadas no coração do homem.
Embora a relação da Igreja Católica com os meios de comunicação seja historicamente complexa. A Igreja sempre se interessou pela comunicação, “segundo os critérios e cultura da época, bem como o grau de compreensão da Igreja em cada período” (PUNTEL, 2011, p. 222). Em nível teológico, é profunda a relação entre a comunicação e espiritualidade. O teólogo e comunicólogo Antônio Spadaro diz que:

O Cristianismo é fundamentalmente um evento comunicativo. Tudo na revelação cristã e nas páginas bíblicas transpira comunicação: os céus narram a glória de Deus, os anjos são seus mensageiros e os profetas falam em seu nome. A sua maneira tudo – anjos, sarça ardente, mesas de pedra, sonhos, asnos, tons, sussurros e sopros de vento ligeiro – pode se tornar um dos meios que realizam essa comunicação (SPADARO, 2012, p. 24).

Um verdadeiro marco nessa trajetória entre Igreja e Comunicação é o Concílio Vaticano II, que buscou fomentar uma aproximação da Igreja com o mundo moderno. Dentre os assuntos tratados, os meios de comunicação tiveram destaque no decreto Inter Mirifica publicado em 1963. Aqui a Igreja passa a olhar para os novos meios como “maravilhosas invenções da técnica que, principalmente nos nossos dias, o engenho humano extraiu, com a ajuda de Deus” (IM 1).
 No decreto, a Igreja não deixa de chamar a atenção para a necessidade do “reto uso” dos meios de comunicação e denuncia as consequências ruins à sociedade humana quando tais meios não são bem utilizados. Mesmo assim, no texto a Igreja reconhece os valores positivos da mídia, encoraja a participação consciente dos fiéis católicos nesse ambiente e até institui o Dia Mundial das Comunicações.
Ao mesmo tempo, a Gaudium et Spes, nº 36, afirma que todas as coisas criadas possuem consistência, verdade, bondade e leis próprias que o homem deve respeitar. Esse reconhecimento evita a interpretação meramente utilitarista do ciberespaço sobre a identidade e essência da internet que por sua vez, torna-se instrumento de evangelização, e um fator de desenvolvimento humano, reforçando o sentido da sua unidade efetiva com a comunidade universal dos fiéis.
Para Bento XVI (2013)[1], as redes facilitam a partilha dos recursos espirituais e litúrgicos e torna as pessoas capazes de rezar com um revigorado sentido de proximidade àqueles que professam a sua fé: 

O envolvimento autêntico e interativo com as questões e as dúvidas daqueles que estão longe da fé, deve-nos fazer sentir a necessidade de alimentar, através da oração e da reflexão, a nossa fé na presença de Deus e também a nossa caridade operante: «Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, sou como um bronze que soa ou um címbalo que retine» (1 Cor 13, 1).

Em outras palavras, no ambiente digital, existem redes sociais que oferecem ao homem atual oportunidades de oração, meditação ou partilha da Palavra de Deus. 'Mas estas redes podem também abrir as portas a outras dimensões da fé e assim, procurar tornar o Evangelho presente no ambiente digital' (Papa Francisco) 
Desta forma, se a comunicação faz parte da natureza humana, o comunicador católico de hoje, ao vivenciar a dimensão da fé, é chamado a viver em sintonia com a espiritualidade. Deve haver coerência entre a vida pessoal e o anúncio da verdade e da Palavra. Ao comunicar, ele não só transmite sua vida, mas também testemunha o que a Igreja precisa oferecer. [2]

Continuaremos em nossa próxima postagem! Acompanhe :) 



[1] Mensagem em Alusão ao Dia Mundial da Comunicações - 2013
[2] Diretório de Comunicação da Igreja do Brasil – Documento 99 da CNBB.

Rodolpho Raphael é Jornalista pela UEPB,  Professor, Pesquisador, Graduando em Filosofia pela UNINTER, Especialista em mídias digitais (CESREI), Mestre em computação, comunicação e Artes pela UFPB. 

Comentários

Emmanuel disse…
Texto muito bom e com uma excelente profundidade. Na expectativa pela continuação.